E quantos baques levamos nesse processo!!!! O primeiro deles, dar-se conta de que o bebê não está vindo de forma natural. O segundo, escutar de um, dois, até três médicos que iremos precisar de ajuda tecnológica para ter o nosso filho. Nossa… essa dói! Mas tem uma ainda pior que, para muitas, também vai acontecer: “Não vale a pena você seguir com os seus óvulos!”. Ou pior, “Não vale a pena você tentar, sequer uma vez, com os seus óvulos!”
E aí, podemos ser inundados por inúmeros pensamentos. Desde aqueles de puro desprendimento, como: “Estou pronta! Quero ser mãe! Só preciso de um corpo (leia-se embrião) para trazer meu filho. E o mais importante não é o corpo, e sim, o ser humano que irei ajudar a construir, numa atmosfera de segurança , amor e carinho!”. Mas podemos ter tantos, mas tantos questionamentos, que se não forem esclarecidos, podem acabar por nos fazer desistir por pura desinformação.
Muitas são as dúvidas sobre o quanto a seleção de características da doadora de óvulos, a sua origem étnica, genética, tipagem sanguínea, entre outras, pode influenciar na expressão fenotípica da criança, isto é, nas suas características físicas e comportamentais. Além disso, independentemente da escolha da doadora que fizermos, o quanto esse bebê terá da receptora que gestará a criança gerada por aquele óvulo.
Acho importante relatar minha experiência quanto ao comportamento das pacientes quando se deparam com a decisão pela ovodoação, mas ainda mais importante, quando se deparam com a possibilidade de oferta de uma doadora. Esse segundo momento, eu diria que é ainda mais decisivo: “Chegou a hora e eu preciso, realmente, me decidir!” E preciso dizer para vocês que, muitas vezes, a importância desse momento pode não estar tão clara e consciente, isto é, a receptora nem sempre se dá conta de que esse momento é um grande ponto de inflexão na sua vida, e, muitas vezes, por medo ou outras por dúvidas quanto ao seu desejo pela maternidade, não somente dúvidas quanto à doadora, se comporta de forma a realmente colocar múltiplas barreiras para aceitação da doadora. E não raro, eu vejo a doadora de óvulos “perfeita” para aquela receptora, mas esta última insiste e procurar empecilhos para não aceitar a ovodoação. E aí, aparecem múltiplas justificativas: o cabelo não é exatamente como ela gostaria, a altura é discretamente diferente da sua, apesar de seu companheiro ter altura semelhante à da doadora, a idade está lhe parecendo elevada, mesmo tendo menos de 30 anos, e por aí vai! Nessas situações, com base na vasta experiencia que tenho e pelo grande vínculo que estabeleço com minhas pacientes, tomo a dianteira da decisão e sugiro que a receptora ainda não aceite a doação de óvulos. Provavelmente, ainda não é hora da receptora receber os óvulos de outra mulher! Nunca irei esquecer de uma paciente que já havia tentado três estímulos ovarianos para FIV, tendo coletado em cada estímulo apenas um óvulo aos 42 anos. O marido, que claramente tinha uma posição de dominância naquela relação, conduziu a decisão “do casal” a decidir pela ovodoação. Realizamos o procedimento, cuja doadora era jovem e preenchia perfeitamente as características solicitadas pelo casal. Mas na primeira transferência embrionária, onde tudo parecia perfeito para aquele momento, no exato instante em que o embrião chegava ao útero da receptora, a mesma, como num ímpeto de evitar aquela transferencia, pulou na cama no exato momento da colocação dos embriões dentro do útero. Triste eu fiquei ao perceber que naquele movimento brusco o cateter havia danificado o endométrio. Muito conversamos após aquele beta-hcg negativo. E seu teste de gravidez positivo veio mais de um ano depois fruto de uma transferência embrionária tranquila, onde ela estava plena, segura e já tinha a certeza do que desejava.
É fundamental entendermos o que significa a escolha de características físicas de uma doadora. Sempre tentaremos, a equipe e o casal, encontrar uma doadora de óvulos com máxima semelhança possível com a receptora. Mas é importante compreendermos algumas coisas que podem, inclusive, nos ajudar a desmistificar esse processo. Quero lembrá-las que os genes, mesmo oriundo de pessoas de nossa família, como nossos irmãos, ou mesmo oriundos de nossos próprios gametas, nem sempre serão expressos da mesma forma. Se você parar para pensar, e muito provavelmente você tenha um caso como vou citar agora na sua família, vários familiares nem sempre apresentam as mesmas características. Não é incomum, por exemplo, uma criança de olhos claros ser filha de pais de olhos castanhos, recordando terem tios, tios-avós ou avós com olhos claro. Aquela herança foi carregada até essa criança, mesmo que familiares mais próximos a ela não tenham essa característica. Esse conhecimento deve estar presente entre casais receptores, pois poderemos escolher uma doadora “perfeita” em termos de características e, nem sempre, o seu óvulo expressar as características que o casal receptor estava esperando encontrar no bebê que irão gestar. Não há como prever quais genes serão expressos em um novo indivíduo, mesmo que o óvulo seja próprio.
Entender que essa variação da expressão de genes é variável, não sendo possível afirmar as características que estarão presentes na criança, é fundamental para a tomada de decisão em aceitar qualquer doadora, até a que parece perfeita. Ao ter a oportunidade de receber óvulos doados, o fato de, apesar de muitas características semelhantes, procurarmos características perfeitas, de pacientes perfeitas, não poderia ser uma forma de, inconscientemente, estarmos ainda em negação do tratamento? E se o casal receptor não está plenamente confortável com a escolha da doadora, apesar de serem características físicas semelhantes, talvez ainda não seja o momento de realizar a ovorrecepção. Conseguir enxergar nossos sentimentos, apesar de nem sempre compreendê-los, é fundamental para não nos precipitarmos, mas também, para não nos boicotarmos e abrir mão de uma experiência maravilhosa. Ser mãe através da ovodoação vai muito além de encontrar o óvulo perfeito. Passa por aceitar plenamente a ovodoação.
Outra dúvida frequente no momento de selecionar / aceitar uma doadora de óvulos está relacionada à tipagem sanguínea. A necessidade de ter a tipagem sanguínea semelhante depende da resposta a duas perguntas: A receptora de óvulos e seu companheiro têm tipagem sanguínea RH negativo? Se sim, idealmente, a doadora deve ser RH negativo para evitar, em uma segunda gestação ou em pacientes que já tiveram filhos RH positivo ou transfusões de sangue que apresentem um exame chamado Coombs indireto positivo. A segunda pergunta é mais difícil de ser respondida: Ao aceitar ovorrecepção e engravidar, a intensão do casal receptor é relatar a origem genética da criança a mesma? Se a resposta for “Não, não desejamos contar ao nosso filho sobre a origem do óvulos!”, o ideal é que a tipagem sanguínea da doadora seja semelhante à tipagem da receptora ou de seu companheiro. Se a reposta for “SIM, desejamos (ou não nos oporemos) relatar ao nosso filho sua origem genética, isto é, de ovodoação!”, a semelhança entre as tipagens sanguíneas passa a ser uma formalidade realmente desnecessária.
Não tenho dúvidas que seguir o coração na hora da grande decisão, aceitar ou não uma ovodoadora, é, em geral, um caminho seguro. Entretanto, muitas vezes nossos sentimentos podem nos pregar uma peça, nos boicotar, simplesmente por um mecanismo inteiramente compreensível: a autoproteção. Por mecanismos inconscientes, ficamos procurando empecilhos para negar a recepção de óvulos de uma doadora, mesmo que aparentemente “perfeita”, para nos pouparmos de possíveis dores que poderão advir dessa decisão. Nessa situação, não tenho dúvida alguma de que a psicoterapia com um profissional habilitado e competente pode ser valiosa e ser o primeiro passo para lhe ajudar a tomar a grande decisão de sua vida.
Como sempre digo, as decisões em reprodução assistida são multidisciplinares. Não há como isolar uma justificativa para cada uma das encruzilhadas com que nos deparamos apenas em um aspecto, seja ele técnico, estatístico, financeiro, emocional e, no caso da ovorrecepçao, nas informações fenotípicas da doadora. É muito mais complexo e profundo. Mas se eu puder resumir toda essa complexidade, eu diria que a grande decisão estará pautado em uma grande pergunta: você deseja, profundamente, ser mãe? Se sim, pormenores das caraterísticas da doadora serão mero ingrediente de curiosidade e que em nada impactarão na sua decisão