Entender o impacto da epigenética não apenas aporta conhecimento sobre a gestação e saúde do bebê, mas também tem um significado especial para as pessoas que realizam tratamentos de ovodoação.
Tudo começou com uma hipótese publicada em 1990 por Barker. Ele suspeitava que tudo que acontece no ventre materno é muito importante e que o momento pré-implantacional poderia determinar algumas doenças. Esta suposição surgiu quando este cientista observou que mães com hipertensão apresentavam uma porcentagem elevada de filhos com a mesma alteração, sendo que ela não é uma doença genética, chamando a atenção para este cenário.
Ainda em nível de hipótese, a epigenética continuou sendo estudada. Em uma comunidade no Arizona, nos Estados Unidos, identificou-se alta incidência de casos de gestantes com diabetes tipo 2 e obesidade, com filhos que desenvolviam as mesmas condições.
Fascinados por esta possibilidade de comunicação materno-fetal, Dr. Felipe Vilella, diretor da Fundação Igenomix, com apoio do Dr. Carlos Simón, diretor científico da Igenomix, iniciaram uma linha de pesquisa em epigenética para entender este processo.
Em 2015, os achados da pesquisa foram publicados na revista científica Development e os estudos continuaram avançando. Foi a primeira vez no mundo que a hipótese da comunicação materno-fetal foi comprovada. Sabendo que a comunicação existe, começamos a estudar a mãe como influencia nesse processo. Então, retomamos a teoria de Barker para comprovar a hipótese da transmissão de condições não genéticas, como, por exemplo, a epigenética da obesidade, hipertensão e diabetes.
O que aprendemos sobre epigenética?
Estudamos como as diferentes moléculas que compõem o líquido endometrial poderiam carregar alguma informação genética. Descobrimos que no momento de implantação, algumas moléculas no líquido endometrial que envolve o embrião são absorvidas em parte por ele antes da introdução propriamente dita.
Molécula da chamada à gravidez é enviada de gestante a embrião para a nidação acontecer com sucesso e permitir a implantação embrionária.
Nas pesquisas da Igenomix encontramos os micros RNA (miRNA). O que fazem estas pequenas sequências de RNA é reconhecer outras sequências de RNA, que traduzem proteínas nas células. Em outras palavras, atuam como reguladores de expressão gênica (produzem funções ou fazem que funções desapareçam nas células). Então, apesar do DNA permanecer igual, o que se diferencia é a expressão da genética. A expressão genética nos faz diferentes uns dos outros; permitem que genes se expressem ou não.
Constatamos um novo mecanismo de comunicação célula-célula, onde um miRNA presente no endométrio materno se internaliza no embrião antes de se iniciar a implantação para então ser reconhecido pelo próprio corpo materno e, assim, começar o processo da gravidez. Chamamos este miRNA de molécula da chamada à gravidez.
Epigenética da obesidade
No estudo realizado com líquido endometrial de pacientes obesas (IMC >30), observamos que havia um aumento na secreção de alguns miRNAs no momento da receptividade endometrial quando comparadas a pacientes normopeso. Estes miRNAs estão relacionados com expressões como a resistência à insulina, metabolismo do colesterol e triglicérides. Ou seja, produzem mudança metabólica que favorece à obesidade. O mesmo estudo está sendo realizado para comparar a mudança de expressão genética que favorece a diabetes tipo 2.
As mudanças epigenéticas podem ser produzidas como consequência do estilo de vida, por exemplo, pelo tabaco e sedentarismo. A influência exercida não altera a existência dos genes. O DNA continua sendo o mesmo, mas se fumamos muito, os radicais livres que estão sendo absorvidos podem mudar a expressão genética, ativando genes que estavam “desligados”.
Portanto, assim como a molécula materna que intitulamos de “chamada à gravidez”, existem outras moléculas como as que favorecem a obesidade e diabetes ou demais expressões. Recentemente, também identificamos a transmissão de mitocôndrias. “Algumas informações podem ser benéficas e outras não. Estamos em via de compreender este processo”, explica Dr. Felipe Vilella.
Até que ponto a mãe pode influenciar na expressão dos genes?
Atualmente, os estudos estão focados em entender pontos concretos, como os citados anteriormente com relação à obesidade. Mas, muitas dúvidas surgem com relação à transmissão de traços físicos, algo que se observa bastante em tratamento com uso de óvulos doados, porém não está comprovado por pesquisas. O que temos certeza é que gestar não é apenas ser um “forninho” para um futuro bebê, pois existe uma troca profunda de informação impossível de ignorar. Algo importante de lembrar é que maternidade e paternidade vão muito além da genética. É evidente como uma criança se desenvolve a partir da influência de seus pais, independente do gene: aprende a falar, andar, pensar e agir observando a família, e, dessa forma, as semelhanças surgem e são percebidas.